Empresas buscam tecnologias inovadoras para sobreviver aos efeitos do aquecimento global
Sensações térmicas que ultrapassam os 50°C já são uma realidade em várias regiões do Brasil, especialmente após as ondas de calor que baterem recordes em 2023. Mas a busca por ventiladores e ar-condicionado não tem sido suficiente para inibir os efeitos devastadores do aquecimento global na rotina das pessoas.
Para se ter ideia, uma pesquisa do instituto Robert Koch mostrou que em média, 3.100 pessoas morreram na Alemanha por conta do calor extremo até setembro de 2023.
No ano anterior, uma onda de calor deixou 61 mil mortos na Europa durante o verão de 2022, segundo um estudo publicado Nature Medicine.
Mas, não foram só as buscas por tecnologias que podem refrescar o clima quente que aumentaram, mas o interesse das pessoas em saber de onde isso vem também cresceu.
De acordo com dados do Google Trends, os brasileiros nunca pesquisaram tanto no buscador sobre “calor” e “tempestades” como em 2023. Outras perguntas incluíam questões como “Quando acaba a onda de calor?", “Por que está fazendo tanto calor?” e "O que causa uma tempestade?".
Falta interesse?
Apesar disso, a tentativa de mitigar o desconforto das ondas de calor cada vez mais intensas, vão além de interesse da sociedade os discussões nas redes. Algumas das
soluções estão nos acordos climáticos não cumpridos por autoridades, no aceleramento de indústrias, na redução do desmatamento e muito mais.
O estudo EY Sustainable Value, feito globalmente com mais de 500 CSOs (Diretores de Segurança), mostra um cenário preocupante.
O relatório aponta que houve um aumento no percentual de empresas que tomam apenas medidas mínimas para o combate às questões climáticas (de 15% para 45%).
Exemplo disso são descartes de dispositivos eletrônicos e digitais. Um levantamento chamado "Sustentabilidade da TI 2023 " mostrou que que a busca das empresas pela sustentabilidade da TI (descarte correto de dispositivos digitais e eletrônicos) ainda enfrenta desafios.
A pesquisa, realiza com 1.050 líderes de empresas de tecnologia de todo o mundo, incluindo 344 das Américas e 44 da América Latina, apontou que para 85% dos entrevistados, a sustentabilidade é um valor crítico para a empresa onde atuam.
Mas na prática, das companhias que participaram da pesquisa, 61% delas não utilizam soluções de monitoramento para garantir o alinhamento dos ambientes da empresa às melhores práticas de sustentabilidade.
O que tem sido feito
Ainda assim, contra a falta de interesse, algumas áreas como engenharia e a arquitetura têm usado a tecnologia para investir cada vez mais em estruturas térmicas, sustentáveis e confortáveis que podem ajudar a mitigar os efeitos do aquecimento global.
Ricardo Assumpção, sócio-líder de sustentabilidade e CSO Latam da EY, destaca que a tecnologia é algo em constante evolução na construção civil, especialmente porque a agenda ESG tem se tornando mais frequente tanto no mercado corporativo, regulatório e na pressão da sociedade e consumidores.
Chamada de Environmental, Social and Governance, ESG é uma nova tendência das indústrias frente aos desafios da sociedade contemporânea, com a preocupação social em vez de somente lucros.
De acordo com o diretor de engenharia da AW Realty Incorporadora, Daniel Novo, alguns softwares já permitem a criação de modelos tridimensionais (3D) que avaliam a dinâmica de fluidos ao redor de estruturas, assim como em seu interior, a fim de avaliar a melhor forma de construir priorizando o conforto térmico.
A Siemens, por exemplo, oferece uma série de soluções de software que auxiliam na eficiência energética, na otimização de recursos e no desenvolvimento sustentável.
“Para lidar com as mudanças climáticas, devemos analisar todo o impacto de sustentabilidade de um produto, incluindo grandes indústrias cujas emissões de CO₂ podem ser drasticamente reduzidas pelo uso de modelos de dados de engenharia, construção verde, economia circular ou desenvolvimento sustentável”, disse Daniel Scuzzarello, vice-presidente e country manager da Siemens Software na América do Sul.
Dentre as tecnologias mais sofisticadas — que podem contribuir com construções mais sustentáveis — a companhia oferece software para gêmeos digitais, que permite que as empresas criem modelos virtuais de seus ativos físicos.
Esses modelos podem ser usados para otimizar o uso de energia, reduzir o desperdício e melhorar a sustentabilidade geral.
“A melhor maneira de combinar tecnologia para obter edifícios mais sustentáveis é por meio de soluções integradas de projeto e operação que considerem a eficiência energética, as fontes de energia renováveis e o gerenciamento inteligente de edifícios”, afirmou Daniel Scuzzarello, da Siemens Software.
Soluções de “conforto ambiental”
Com o advento da construção de edifícios mais altos, a simulação computacional passou a ser incorporada na análise do conforto ambiental, tanto do usuário quanto dos pedestres e edificações vizinhas.
“Já desenvolvemos em nossos projetos modelos digitais que simulam tanto as condições do escoamento do ar ao longo de todo o edifício, quanto o posicionamento do Sol ao longo das estações do ano, nos ajudando a otimizar as estruturas arquitetônicas e as soluções de engenharia”, disse Daniel Novo.
Na construção civil residencial, a arquitetura tem um papel fundamental na manutenção de um microclima agradável nos ambientes internos e externos, explica o diretor de engenharia da AW Realty Incorporadora.
“Passando desde o sombreamento e posicionamento das áreas permeáveis para troca de ar, até no formato das edificações que ajude nessa circulação do ar”.
A escolha dos materiais, a arquitetura dos edifícios e mesmo a geografia do local onde os prédios são construídos são predominantes para o conforto térmico dos moradores, explica Daniel Novo.
Ele destaca ainda outro ponto essencial para manter as residências mais frescas: a biofilia. Ou seja, a implementação de vegetação nas fachadas, nos terraços e coberturas.
Outra das alternativas sustentáveis que muitas construtoras vêm utilizando é o sistema de resfriamento dos prédios usando água circular, exemplifica Ricardo Assumpção, da EY.
Desigualdade social também é um fator
O crescimento de soluções tecnológicas para mitigar o calor nas residências não extingue, no entanto, um problema social no Brasil: a desigualdade de classes.
“A classe de menor renda é muito maior em quantidade, sofre muito mais os impactos das mudanças climáticas, porém tem menos recurso para conseguir agir de fato", comentou Ricardo Assumpção.
Por outro lado, diz ele, "a classe mais alta é menor em quantidade, sofre menos impacto e tem muito mais recurso para colocar em prática iniciativas mais sustentáveis”.
O especialista em sustentabilidade cita o aumento brutal no uso de painel solar nas residências, que segue sendo uma grande tendência e é um dos marcos da chegada da sustentabilidade e da agenda ESG nas pessoas físicas.
Para se ter ideia, um dado da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), mostrou que só no começo de 2023, o setor de energia solar movimentou bilhões de reais no Brasil, com mais de 1 milhão de painéis fotovoltaicos instalados, em sua maioria, em imóveis residenciais, representando mais 78% das instalações.
A associação também indica que, desde 2012, mais de 34,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) foram evitados com uso da fonte de energia solar.
“Com painéis mais eficientes e mais duráveis, a tendência é que esse número aumente ainda mais. Com grande escala, os preços também tendem a ficar mais acessíveis, podendo chegar em uma parcela maior da população”, comentou o diretor de sustentabilidade da EY.
A tecnologia além das construções verdes
Na Amazon Web Services (AWS), uma das frentes de atuação é o Programa de Preparação e Resposta a Desastres, cujo objetivo é preparar governos, organizações sem fins lucrativos e pesquisadores para reagir a desastres, inclusive, nas condições mais adversas, utilizando a computação em nuvem.
As tecnologias baseadas em nuvem são acessíveis e requerem cada vez menos domínio de habilidades específicas, explicou ao Byte a diretora de programas para América Latina, Canadá e Caribe na AWS, Abby Daniell.
A especialista cita o exemplo das inundações e deslizamentos de terra que devastaram Petrópolis (RJ) em fevereiro de 2022.
“Após serem acionadas, as equipes da Help.NGO — uma ONG que usa tecnologia para dar resposta a emergências — e da AWS, captaram imagens de drones de 27 quilômetros quadrados de terra impactada, modelaram o terreno e fizeram uma renderização 3D em apenas duas semanas”, explicou Abby.
Empresas buscam cada vez mais implementar práticas de ESG
Foto: Freepik
“Esta renderização 3D altamente detalhada da área mostrou ao governo exatamente onde era preciso concentrar recursos para fornecer suporte oportuno aos mais necessitados”, incluiu.
Já Google, em parceria com o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), desenvolveu o Alerta de Previsão de Inundações. Um avanço em inteligência artificial (IA) que ajuda comunidades e pessoas a agir em momentos ambientais críticos.
Até novembro de 2023, o recurso permitiu o envio de mais de 2 milhões de notificações de celular com previsão de enchentes ribeirinhas e mais de 250 alertas foram disponibilizados na Busca e no Google Maps, impactando mais de 9 milhões de pessoas no Brasil.
“Para manter a população segura e informada também em situações de ondas de calor excessivo, como a que o país enfrentou em 2023, o Google agora emite alertas para diversas regiões afetadas para a apoiar os brasileiros nesses momentos com informações úteis”, disse o Google em comunicado.
A biofilia — integração de vegetação na residência — é essencial para o bem-estar térmico
Foto: Ana Harada/Casa.com.br / Casa.com
E as leis?
A adequação às mudanças climáticas cada vez mais se torna uma necessidade competitiva e, em alguns setores, até mesmo uma questão de sobrevivência, explicou ao Byte o advogado Luiz Bezerra, sócio da prática de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Tauil & Chequer Advogados.
“No Brasil, as consequências para quem descumpre a legislação ambiental podem ocorrer de três formas, sem contar os drásticos impactos à reputação e mesmo ao valor de mercado das empresas”, disse o advogado.
- Na esfera administrativa: as empresas podem receber multas ou, em situações mais drásticas, ter suas licenças suspensas ou operações embargadas;
- Na esfera criminal: as empresas, seus diretores e administradores podem ser acusadas de crime ambiental, que podem implicar penas de suspensão de direitos, multas, e até mesmo prisão;
- Na esfera civil: se forem constatados danos ao meio ambiente, as empresas são responsabilizadas por reparar e pagar indenizações por tais danos.
Construtoras utilizam softwares para identificar melhores soluções climáticas aos prédios
Foto: Divulgação/ AW|Realty
Em outubro de 2023, por exemplo, a prefeitura de São Paulo multou o Metrô em R$ 90 mil por descarte irregular de resíduos de obras. As penalidades foram aplicadas após fiscalização nos canteiros de trabalhos da expansão na Linha 2-Verde.
As multas aplicadas eram parte de uma ação em diferentes pontos da capital paulista, que somam 120 penalidades direcionadas a incorporadoras imobiliárias, construtoras e empresas de engenharia.
"As empresas devem estar atentas não apenas à legislação já vigente, mas às diversas novidades e evoluções normativas que vem sendo discutidas a respeito dos temas ESG, para que possam ser proativas na adoção de medidas preventivas", afirmou Bezerra.
Fonte: Site Terra