Mudar o mundo talvez seja um dos principais desejos de qualquer estudante no começo da sua carreira. Pode até soar um pouco clichê ou até utopia, mas a verdade é que não existe limitação para os sonhos daqueles que acreditam. No caso da Eng. Amb. Bárbara Paiva, de 30 anos, pesquisadora que criou uma garrafa que purifica água por meio da radiação azul, isso nunca foi uma limitação.
“Sempre quis fazer algo grandioso para poder mudar o mundo, nem que fosse aos pouquinhos, como uma formiguinha. Eu acredito que cada ação é capaz de gerar uma melhoria, mas eu não imaginava que seria algo que pudesse impactar a vida de tantas pessoas”, relata a mineira que, no último ano, ficou na lista da Forbes Under 30, um reconhecimento aos jovens que lideram projetos e negócios inovadores.
Estar na almejada lista não foi à toa. A engenheira alcançou destaque nacional na competição Red Bull Basement e levou o prêmio de storytelling na etapa mundial do concurso com uma ideia inovadora: levar água potável para os mais de 30 milhões de brasileiros que não tem acesso ao recurso em condições seguras para consumo. Durante o 1º Encontro Nacional de Engenharia Ambiental e Sanitária, edição inédita da iniciativa do Crea-SP sobre o tema, e o 4º Encontro Paulista de Engenharia Ambiental, realizados na terça-feira (31/1), a cientista falou sobre seu projeto. “Água é fundamental para o ser humano e não falamos sobre isso ou não sabemos se o futuro terá água suficiente. A garrafa é então uma representação de como apresento a importância de falar sobre água”, comentou.
Em entrevista ao Crea-SP, com mediação do Eng. Amb. Renato Muzzolon Júnior, gerente de Relações Institucionais do Confea, Bárbara falou do porquê decidiu ingressar na Engenharia Ambiental, como foi o processo de criação da garrafa e quais são os planos para o futuro. Confira:
– Você comentou uma vez que ser cientista nunca foi o seu sonho de criança, mas que seus pais te incentivaram muito a estudar. Quando foi que você percebeu que gostaria de ser engenheira?
Sempre tive, dentro de casa, esse incentivo para estudar, mas meus pais me deixaram livre para seguir qualquer profissão que eu escolhesse. Decidi pelo rumo da minha vida e da minha desenvoltura na escola. Eu gostava principalmente de física, química e matemática. O que pesou mais na decisão foi que eu gostava muito de aplicar o conhecimento e percebi que a Engenharia seria a melhor opção para poder aplicar e desenvolver coisas novas.
No terceiro ano participei de algumas feiras de universidade e já fui focada em Engenharia, só tinha que decidir qual. Me encaixei na Engenharia Ambiental, principalmente pelo tríplice do desenvolvimento: o ser humano desenvolvendo junto com a economia e com o meio ambiente. Sempre acreditei muito nisso.
– Na Engenharia, existe esse estigma de ser muito masculinizado. Por ser mulher, foi um desafio para você?
Como eu já tinha essa certeza de que queria ser engenheira, para mim não fazia diferença ser a única mulher da sala ou não. Até porque, já estava muito certa do que eu queria. Infelizmente, ainda hoje rola um estigma de que mulher tem que fazer cursos de biológicas ou de humanas, mas isso nunca pesou na minha decisão.
– Você tinha alguma referência ou inspiração naquela época? Hoje, se comparado aos homens, o número mulheres premiadas e que são destaque na profissão ainda é muito incipiente. Alguém te motivou nesse sentido?
Quando era criança, falava que queria ser atriz ou modelo porque o que eu tinha de referência era o que via na televisão. Não tinha ninguém perto de mim que era engenheira. Não era tão popular esse reconhecimento de ver engenheiras ou cientistas brilhando no mundo.
É justamente por isso que hoje eu busco incentivar meninas e mulheres a entrarem para a ciência e Engenharia. Acredito que as premiações e o reconhecimento que eu tive são importantes para aproximar esse público, colocar no imaginário das meninas, ainda jovens, que ser cientista é legal. Ser engenheira é legal.
– O ano passado foi um ano de muitas emoções para você. Conquistou o 1º lugar na etapa nacional da competição do Red Bull Basement, foi para a competição a nível mundial e venceu o desafio de storytelling, além de ser listada na Forbes. Tudo isso pelo projeto da garrafa. Como surgiu essa ideia?
Depois da minha formação em Engenharia Ambiental, eu estava inquieta. Tive uma formação excelente em uma universidade federal renomada (Bárbara é graduada pela Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais), mas achei que foi uma formação técnica e isso me gerou essa inquietação. Sentia que precisava de algo mais e queria sair um pouco da minha bolha. Como havia trabalhado ao longo do curso, juntei um dinheiro e fui pra Nova York estudar inglês. Lá, vi um dia uma pessoa bebendo água diretamente da torneira e aquele hábito me deixou intrigada. Esperava poluição, mas fui pesquisar e descobri, na verdade, que a cidade tem a maior preservação de bacia hidrográfica do mundo. Fiquei impressionada. Uma cidade tão grande, tão cheia de gente, com preservação de bacia. Queria isso para o meu país também.
Então, quando voltei, resolvi entrar no mestrado e, conversando com meu orientador, falei que queria manter nessa pegada de Engenharia Ambiental, apesar do meu mestrado ser em Engenharia de Materiais, e que queria trabalhar com água. Ele falou sobre tentar tratar a água com luz azul e chegamos ao tema. Só que nós não sabíamos se ia dar certo porque é uma iniciativa muito nova. Eu fui me aprofundando no assunto para escrever e ficava cada vez mais chocada com o que eu via, com os dados.
O Instituto Trata Brasil e a própria Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável no mundo, levando a cerca de 1,5 milhão de mortes todos os anos por doenças diarreicas. Com isso, eu pensei que precisava fazer alguma coisa para ajudar essas pessoas, porque só no meu mestrado não seria o suficiente. Foi daí que surgiu a ideia da garrafa, uma forma de materializar esse estudo e poder levar até essas pessoas o tratamento da água na palma da mão.
– Como que funciona a esterilização da água pela radiação azul?
A garrafa é muito simples e tem, basicamente, dois sistemas. Primeiro, a água passa por um filtro de membrana que remove as partículas maiores para não fazer sombra e nem ser um incômodo na água. Posteriormente, tem a radiação azul, que mata tanto o coliforme total quanto a E. coli (a bactéria Escherichia coli), que são os padrões de referência que temos da água para consumo. Logo, quem mata mesmo os micro-organismos é a luz azul.
– Como que está o projeto hoje? Existe alguma chance de ser aplicado para alcançar essa população que ainda não tem o acesso à água potável?
Pretendo começar a produção das garrafas este ano, com o público-alvo focado em quem não tem acesso à água potável. Muitas pessoas, depois que viram sobre a garrafa, tiveram interesse em comprar. A minha ideia é começar a produzir, vender e reverter uma parte desse dinheiro para levar a garrafa para as pessoas que não tem condições de comprar.
– E o custo previsto da comercialização é alto?
Por enquanto eu só tenho um protótipo da garrafa, que costuma ser mais caro. Mas o custo da garrafa em si não é alto. O que pesa um pouco é o carregador solar, pois como o público-alvo são as pessoas que não têm acesso à água, pode ser que elas se enquadrem no público que não tenha acesso à energia elétrica também. Por isso, a ideia é a garrafa vir acompanhada do carregador solar que pode ser compartilhável nas comunidades.
– O que você diria para as jovens e meninas que querem ser cientistas ou que pensam em ingressar nos cursos da área tecnológica, seja nas Engenharias, Agronomia ou Geociências?
Às vezes as meninas são dependentes de quem elas convivem, do lugar que elas estão, e acabam desistindo dos seus sonhos. São meninas que podiam chegar tão longe, que podiam trabalhar para mudar o nosso país, melhorar tantas realidades, e que acabam desistindo pela situação em que se encontram, ou por achar que não são capazes. A mensagem que eu quero deixar é que elas são capazes de tudo. Não deixe que ninguém, nenhum lugar ou situação as convençam do contrário.
Você pode acompanhar a participação de Bárbara Paiva no 1º ENEAS pelo YouTube, assista.
Fonte: Crea-SP