Em um debate amplo que marcou o segundo dia do 3º Encontro Nacional de Atendimento do Sistema Confea/Crea, nessa quarta (24/11), o procurador jurídico do Confea, Igor Garcia, abordou o registro de pessoas jurídicas no Sistema Confea/Crea, com base na resolução 1.121/2019, e a diferenciação entre o atestado de capacidade profissional e o atestado de capacidade técnico-operacional.
Segundo Igor, no trato diário dos diversos balcões dos Creas, o tema central da Resolução 1.121 é bastante recorrente “até porque o Sistema Confea/Crea não é apenas um sistema de profissionais pessoas físicas”. Segundo ele, muitas vezes, os funcionários dos regionais são levados a pensar que o Sistema atua apenas com os profissionais da Engenharia, da Agronomia e das Geociências. “E nos esquecemos da pessoa jurídica, que é o que movimenta a nossa economia e, inclusive, a atividade desses profissionais. Então, essa compreensão é fundamental para conhecer e bem aplicar a Resolução 1.121/2019”.
Poder de polícia das profissões regulamentadas
Igor contextualizou os participantes de que qualquer atendente ao público exerce o poder de polícia. “Esse poder de polícia das profissões regulamentadas é um poder de Estado. É o poder de interferir na liberdade, na vida privada, na autonomia das pessoas físicas e jurídicas. O profissional engenheiro ou a empresa de engenharia somente pode executar atos da atividade, se tiver o devido registro, se tiver a ART e o responsável técnico ou o quadro técnico, sob pena de uma sanção. Então, o poder de polícia do Sistema nasce no atendimento ao público”, explicou.
Igor ressaltou que muitas vezes se fica preso à ideia de que o poder de polícia seja exercido apenas pelos plenários, pelas câmaras especializadas ou pelo fiscal. “Mas ele se inicia com vocês, exercendo esse poder de polícia de maneira inaugural, como um poder de polícia preventivo, ou seja, não há infração, multa, autuação, se o profissional cumprir as leis e resoluções do Sistema. Esse poder de polícia estará exercido e consumado quando a empresa e o profissional atendem às orientações do Sistema, repassadas pelo atendimento ao público”.
Igor ressalvou que há ainda o poder repressivo dos regionais, um desdobramento do atendimento. “Ou seja, se esse atendimento ao público não é solicitado, se as atividades de registro, acervo técnico e demais atos que legalizam o exercício da Engenharia e da Agronomia não são exercidos pelo interessado, claro que a fiscalização irá alcançar essa pessoa física ou jurídica e irá aplicar uma sanção”, diz, ressaltando que o poder de polícia repressivo tem características como imperatividade, coercibilidade, discricionariedade e autoexecutoriedade. “Todos os atendentes ao público dos conselhos estão exercendo esse poder de polícia. Trago essa compreensão para que a gente tenha uma visão mais ampla da nossa atividade, em que todos os atores, do atendimento ao público até o arquivamento do processo, têm a mesma importância”.
Histórico e contextualização da Resolução 1.121/2019
“Muitos dizem que a Resolução 336/1989 era melhor que a 1.121. Ou que a 1.121 não resolveu todos os problemas desses 30 anos. Ouso discordar porque a 1.121 deu alguns passos importantes, resolvendo problemas de operacionalização e evitando uma série de judicializações. Ela é melhor tecnicamente e operacionalmente. Essa alteração tem fundamento. O mundo empresarial, de 89 a 2019, sofreu alterações profundas”, disse, citando ainda a Lei 5.194/1966, “uma lei de um período ditatorial”.
Após a Lei 5.194, descreve Igor, o país recebeu a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, que alterou o Direito Comercial, que passou a se chamar Direito Empresarial, e sob cuja égide transcorreram diversas mudanças. “Todas essas modificações no mundo societário impactaram nas nossas atividades. E a 5.194 e algumas resoluções perderam fôlego, não acompanharam essa dinâmica empresarial. Então, a modificação na 336 vem também com base nessa alteração do cenário empresarial e nas profundas modificações no campo econômico, social e jurídico, que impactaram o Sistema e que eram objeto de diversas ações judiciais”.
Igor ressalta que foram ouvidos diversos atores do Sistema para a elaboração da resolução. “Acredito que, com o aprimoramento da 1.121 no dia a dia, vamos chegar à conclusão de que ela é uma boa resolução porque ela foi feita a várias mãos, passando por consulta pública, várias comissões do Confea, procuradoria, plenário, grupos técnicos. Agora, ela não chega em nível de detalhamento, senão ela seria um manual orientativo, e não uma resolução”, asseverou, informando que um Grupo de Trabalho buscou trazer elementos mais concretos à resolução, cumprindo esse papel normativo e respondendo questionamentos que surgiram no dia a dia do atendimento. “Mas, com certeza, se o atendente tiver domínio da 1.121 e se valer do apoio das áreas técnica e jurídica, terá muitas respostas”, argumenta.
Seção técnica e responsáveis técnicos
Citada no parágrafo 1º do artigo 5° da Resolução, a seção técnica foi um dos pontos da resolução destacados pelo procurador.
Segundo Igor, a dúvida recorrente é por que a seção técnica não precisa de registro, diferente do que estabelece a 5.194. Ele explica que a Lei 6.839/1980 define que o registro da pessoa jurídica no Sistema está vinculado à atividade básica. “E quando nós trabalhamos a seção técnica, a bem da verdade, nós estamos confessando que a atividade básica da empresa não é da engenharia, ela tem apenas uma seção técnica ligada à engenharia, agronomia ou geociências. E a Lei 6.839 regulamenta o assunto, ao pedir o registro apenas quando a empresa tiver esses exercícios como atividade básica”.
Igor admite que a procuradoria chegou a tentar fazer a defesa em sentido contrário. “Mas tivemos diversos julgados que firmaram a tese de que seção técnica não demanda registro, e o STJ uniformizou esse entendimento. Por isso, a 1.121 diz isso, que a seção técnica não demanda registro da pessoa jurídica, mas é necessário que haja um responsável técnico para a execução das atividades daquela seção técnica, como também a necessidade de anotação de ART de obras e serviços ou de cargo e função”.
Outro ponto destacado pelo procurador do Confea diz respeito ao número de responsáveis técnicos. “Sofremos uma série de derrotas no poder judiciário. Você não pode limitar previamente o número de responsabilizações técnicas. Agora, o fiscal é que terá a competência para verificar a falta de efetiva participação. Por isso, a Resolução 1.121 avança nesse sentido, ao dizer que o profissional pode ser responsável técnico por mais de uma empresa. Ela não detalha quais seriam os critérios. De fato, ela não detalha porque aí pegaríamos uma série de atividades que têm especificidades e, a princípio, o ato fiscalizatório daria conta disso. Temos que permitir que o profissional seja responsável técnico por várias empresas e criar critérios para a fiscalização da efetiva participação”.
O procurador jurídico ainda chamou atenção sobre a diferença entre o responsável técnico e o quadro técnico. “O responsável técnico pode ser do quadro técnico da empresa. Mas nem sempre. Quando a empresa tem diversos profissionais, aí tem o responsável técnico e o quadro técnico. A 1.121 trouxe avanços deixando claros esses conceitos”, disse o procurador, abordando ainda nesse aspecto das pessoas jurídicas as temáticas da não exigência da motivação da interrupção ou do cancelamento do registro de pessoa jurídica e ainda o não reconhecimento do empresário individual e do microempreendedor individual como pessoas jurídicas.
Atestados de capacidade técnico-profissional e de capacidade técnico-operacional
Após esclarecer alguns pontos na conversa com os participantes, Igor Garcia apresentou alguns conceitos para o dia a dia dos atendentes: acervo técnico, certidão de acervo técnico profissional e atestado de capacidade operacional. Lembrando o conceito explanado de poder de polícia, ele manifestou suas limitações. “Não temos a condição jurídica de entrarmos em questões de qualidade de obras ou serviços. Nós não temos também competência legal nem constitucional para atestarmos que uma empresa tem tecnologia, know-how, capacidade operacional para executar uma obra ou serviço de engenharia. Isso não é matéria adstrita ao nosso poder de polícia, que é muito ligado à questão de registro, ART, Acervo Técnico, quadro técnico, responsável técnico, atribuições profissionais, controle da conduta do profissional. Esse é o limite do nosso poder de polícia, contido na Lei 5.194 e nas resoluções do Confea”, diz.
Neste contexto, acrescenta, é importante que o atendente ou a atendente ao público tenha uma visão clara de que só pode ser emitida pelo Crea a CAT, que atesta o acervo técnico do profissional. “Porque todos sabem e já reconhecem que quem tem o acervo profissional não é a pessoa jurídica que se registra no conselho. Quem tem o acervo técnico é o profissional que é o responsável técnico ou é o profissional que integra o quadro técnico da pessoa jurídica. Então, esse acervo técnico pertence ao profissional pessoa física. Daí a importância de especificar as obras e serviços nas ARTs para formar o seu acervo profissional. A pessoa física é detentora desse acervo profissional”, frisou.
Portanto, diz Igor, cabe ao Crea emitir a CAT, o acervo técnico do profissional ou atestado de capacidade profissional. “Já esse chamado atestado de capacidade operacional que tem previsão nas Leis 8.666/1993 e 14.133/2021, que é a nova lei de Licitações e Contratos Administrativos, jamais pode ser acervado, registrado e objeto de emissão de certidão por parte do Crea. É um erro gravíssimo fazer acervo e emissão de atestado de capacidade técnico-operacional. Não temos como atestar que uma empresa tem essa capacidade, até porque isso envolve os fatores de produção, capital, insumo, tecnologia, o modo de produção, a expertise no exercício da atividade, que diferencia uma empresa de outra empresa. Isso não é matéria afeta ao Sistema Confea/Crea, isso não compõe o poder de polícia das profissões regulamentadas”, considera.
Para o procurador, ao acervar ou emitir o atestado de capacidade operacional, o Sistema estaria, por via direta ou indireta, atestando que uma pessoa jurídica possui condição de executar uma obra. “Nós não atestamos essa capacidade operacional, isso quem tem que verificar é o licitante, o órgão que está contratando. O Crea atesta é que a empresa é da engenharia, com profissionais que têm acervo técnico específico, que é a chamada CAT. Agora, a capacidade operacional, que é resultante desses quatro fatores de produção, não é atribuição nossa. Por isso, não podemos atestar, nem certificar capacidade operacional. Com a nova lei de licitações, isso ficou claro, como já era na 8.666. Isso é função do órgão licitante ou da empresa contratante, mas não utilizando a estrutura e o poder de polícia dos Creas”, ressalta.
Fonte: Confea